Schelling - O Sabá sagrado da Natureza (1806)
Referência:
Schelling, F. W. Des rapports entre le réel et l’idéal dans la nature. in Essais (trad. S. Jankélévitch). Albier, 1946, p. 122. https://archive.org/details/essais00sche/mode/2up Tradução por Marcio Miotto, sob propósitos didáticos (Jankélévitch data o texto sob a mesma ocasião da publicação de Die Weltseele, mas esse texto foi acrescido em 1806).
Aquele que não olha a natureza com um sentimento e imaginação alegres não saberia compreender sua organização e encadeamento; por pouco que ele seja capaz de exprimir com lealdade a essência deste mundo, ele não encontraria, como espectador simples e ingênuo, outra expressão que aquela encontrada por nós mesmos. É verdade que as formações da natureza dita inanimada, dada a tão grande distância na qual se encontram para nos revelar suas substâncias, apenas nos permitem adivinhar a força que as anima como uma flama profundamente escondida; mas mesmo aqui, nos metais, nos minerais etc., é impossível de não reconhecer – na potência que escapa a toda medida e da qual cada existência é uma expressão – o impulso irresistível à individualização, à existência em estado definido e determinado. A substância que já aparecia como emergindo de uma profundeza insondável nas plantas (em cada flor que espalha suas pétalas acredita-se apreender o princípio não apenas de uma coisa, mas de uma multidão de coisas), até no que é hipostasiado no organismo animal, a essência que era de saída tão profunda e distante termina por se aproximar e, por assim dizer, abrir, diante do espectador, seus olhos plenos de significação. Ela parece sempre reservar um mistério e não revelar senão alguns de seus aspectos. Diante dessa divina confissão e dessa multiplicidade incontornável de formações, o espectador de suas obras terminará por renunciar a toda esperança de apreendê-las com o entendimento e se encontrará introduzido no Sabá sagrado da Natureza, na Razão pela qual, descansando de suas obras perecíveis, ela se reconhece e interpreta a si mesma. Pois a natureza não nos fala, senão quando nós mesmos permanecemos calados.